quarta-feira, 30 de abril de 2008

"Eu era uma pessoa antes do ayhuasca, hoje sou outra e busco o equilíbrio entre as duas"




O Santo Daime instiga a curiosidade de muitas pessoas e desperta a vontade de conhecer a real da religião, vivendo a experiência. Mas tomar as doses do chá é algo a se pensar muito, afirma a estudante de psicologia Rafaela*, que foi a dois rituais daimistas, mas não virou uma seguidora. Antes de decidir se viveria a “viagem” ou não ela pesquisou muito em sites, fez diversas perguntas a amigos seguidores da doutrina, que sempre a convidavam a participar de um ritual, e ainda assim, demorou meses até ir a um. Os dias e locais dos rituais do Santo Daime não costumam ser muito divulgados, por isso Rafaela acredita que se deve ter algum “contato” para um início no ayhuasca. Existem rituais mais acessíveis e outros bastante fechados.
A estudante nos conta que no dia que conheceria na prática o que tanto já havia estudado a teoria, há aproximadamente um ano, ficou muito ansiosa. “Ao chegar ao local, fui muito bem recebida e senti uma paz muito grande”, diz. Ainda assim, “a cada minuto que passava a ansiedade só aumentava”, lembra Rafaela. Ela nos contou como tudo aconteceu em sua primeira experiência...

Inicialmente o guia do cerimonial fala sobre um contrato, um termo, que diz que a participação de cada um é de espontânea vontade e que todos devem participar do cerimonial até o fim (até ninguém mais estar sob efeito do chá), entre outras coisas...
E então ritual realmente começa. O guia xamã, ou qualquer outro nome que seja, fala inicialmente sobre a preparação do chá, das duas plantas do poder, cada uma representando uma força, a feminina e a masculina, e suas influências. Em seguida, o guia da cerimônia dá uma espécie de sermão, que Rafaela disse que varia a cada dia, assim como tudo costuma variar de ritual para ritual: “O desse xamã é bem relacionado com o espiritismo, aí também já é outra coisa para se falar. Vou ser breve, o ayhuasca não é uma religião única e isolada, ela tem relação com outras e depende do xamã que a guia. O do ritual que eu fui fala que procura ser o mais neutro possível, mas não tem como deixar de lado né!?”.
Então, depois de tudo, inicia a formação da fila para tomar a primeira dose do chá. E, como a estudante ressaltou, há rituais e rituais. Há uns que as pessoas cantam e dançam os hinos daimistas, já neste que ela foi todos ficavam deitados. Então ela bebeu o Santo Daime e foi para o seu lugar...

“Assim que eu tomei o chá, me arrependi de estar ali, mas já era tarde para voltar atrás”, conta Rafaela, que seguiu para o seu lugar e esperou para ver o que aconteceria com ela a partir dali. Ela disse que durante o dia todo havia pensado em mil coisas que poderiam acontecer, vontades, medos, pensava nas coisas mais absurdas, pois, para ela, tudo seria possível. “De repente sinto metade do meu corpo amortecer e, logo após, senti como se eu não estivesse mais ali”. Ela tentou nos explicar dizendo que as primeiras horas foram como se variasse seu estado de consciência e inconsciência, mas que foram muito agradáveis e a fizeram se sentir extremamente bem e feliz. “É inexplicável o que acontece...”. Durante todo seu trabalho, Rafaela pensou em diversas coisas relacionadas às pessoas de sua vida, a ela mesma, ao que já haviam lhe dito e até ao que o xamã discursou no início do ritual.
No final da “primeira parte”, o trabalho de Rafaela se tornou algo mais pesado e profundo, e quando ela não via a hora de tudo aquilo acabar chega o momento de tomar a segunda dose do Santo Daime. Essa segunda dose é opcional. Há pessoas que conseguem fazer todo trabalho apenas com uma dose, enquanto outros dizem que ela é essencial para “acalmar” e terminar melhor o ritual. E foi quando a estudante pensou muito mesmo se tomaria ou não. Segundo ela, ela teve um conflito consigo mesma: “ao mesmo tempo em que não queria mais aquela coisa dentro de mim eu me lembrava que a segunda dose ajudava a acalmar, e isso era o que eu mais queria”, e optou por toma-la.
A partir da segunda dose do Daime, Rafaela fez uma “limpeza” interior e contava os segundos para tudo acabar, e quando acabou ela conta que já estava muito bem, ainda que um pouco perturbada com as experiências que viveu, principalmente nas partes mais pesadas de seu trabalho (como acreditar que havia morrido, pensar que era um ser minúsculo e não tão grande quanto pensava que era, etc). E no final pensou: “nossa, estou viva!”, brinca.

Rafaela contou como se sentiu após tudo isso:
“A partir dessa experiência sou outra pessoa e tenho outros pensamentos, não cheguei a perfeição e nem perto dela, há muita coisa pra melhorar e sempre vai ter, mas percebo que sou alguém muito melhor. Eu era uma pessoa antes do ayhuasca, me tornei outra hoje e busco o equilíbrio entre as duas. No fim, soube que ficamos trabalhando de sete a dez dias com o que passamos lá. E realmente, não paramos de pensar, é como se o cérebro trabalhasse 72h por dia!”.

“Lições eu tirei várias, e acho que cada ritual traz lições conforme o que passamos nele. Depois fui buscar saber sobre o ritual com outros olhos, com os olhos de quem já sabe um pouco sobre este lado da moeda. Hoje tenho muitas opiniões acerca disso. Mas tenho opiniões e não verdades, pois ninguém conhece as verdades senão as suas próprias, e olhe lá! Acho que vale lembrar que cada experiência é única e não é por que eu tive essa que todas são assim. Já tive uma depois dessa que foi totalmente diferente”.

O segundo ritual de que Rafaela participou foi, segundo ela, muito mais bonito. Tiveram leituras, chamados, músicas, expressões livres e sua paz interior, que ela conta que tinha muita no dia. Além de o trabalho ter sido em sua própria casa, garantindo maior segurança a ela, com cinco pessoas que ela gosta, sendo um deles um xamã, que guiou a cerimônia, de um jeito bem diferente da primeira que ela participou. Sua facilidade de aceitação e compreensão, adquiridas em sua primeira experiência, também eram muito maiores. Ela se referiu mais ao seu primeiro ritual, pois foi de lá que a estudante tirou mais lições.

Ao ser questionada sobre o porquê de não virar uma seguidora do Santo Daime mesmo depois de gostar de suas duas experiências, Rafaela responde com conhecimento:
“Porque eu acho que não temos que recorrer a 'forças maiores', essa é outra coisa importante. Uns falam que essa força maior é a Rainha da Floresta. Para mim, como estudante de psicologia e depois de pensar muito sobre isso, cheguei a conclusão de que essa força maior é o nosso inconsciente. Que tudo que passamos durante o ritual, está super relacionado com o que temos ‘beeeeeeem’ no fundo da gente. Acho que não temos que recorrer a uma 'força maior' para termos consciência de algumas coisas, lógico que é um grande facilitador, mas cada pessoa tem seu tempo e muitas não estão preparadas para dar esse mergulho no inconsciente. Como eu não estava na primeira vez”.

Mesmo nos dando essa entrevista, Rafaela afirma que não gosta de expor sua opinião a respeito do ayhuasca: “prefiro respeitar a fé que cada um tem, pois sei que há muitas pessoas que se curam com o chá e acho a fé algo essencial na vida das pessoas e é como se fosse uma das principais bases do ser humano”.



*Rafaela é um nome fictício que usamos no texto a pedido da entrevistada, pois ela afirma que existe muito preconceito em relação ao Santo Daime, mesmo esta sendo uma religião legal, como qualquer outra.



por Diana Siquelero



Nenhum comentário: